segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Telhas e Taipas

Faz três meses que chove sem parar. O solo antes seco e áspero, agora não para de correr lama. Sentada a mesa, a família evita os olhares diretos uns com os outros. O pai, sempre sério, se perde em divagações, e lamenta a fatalidade da natureza. Passou meses sem plantar naquele solo duro, seco e espinhoso; agora, passaria mais alguns por causa do dilúvio que cai sem parar. Ele não lembra, recordando seu tempo de moço forte e altivo, que tenha se passado algo semelhante naquela simpática comunidade perdida entre tantas comunidades entre o Eusébio e o Aquiraz.

 

Antônio olha o pai. Toca-lhe de leve a mão e sua voz é rouca e cortante. Tenho que ir. Não posso mais esperar. Vou pra Fortaleza. Três frases apenas. Essa falta de aproximação, essa falta de um diálogo maior marcaria, sem Sérgio o perceber, motivo de complicações futuras em sua família. O pai o encara. Sempre percebeu naqueles olhos, sonhos perdidos; sede de uma vida mais agitada. Demorou algum tempo em distinguir a voz do filho, das trovoadas e do barulho da chuva molhando as telhas e as paredes de taipa. Com um gesto resignado e complacente balançou a cabeça. Não disse palavra. Há muito que não a usava. A desventura naquela terra infértil, a falta de esperança suprime a vontade de falar.

 

A mala é pequena. Poucas coisas para colocar, é bem verdade. Diferente do coração, esse imenso receptáculo de emoções, onde, se derramado, inundaria rios e mares. Não que ele tivesse expectativas grandes na sua jornada à capital. Sabia que o incerto lhe estenderia a mão por algum tempo. Trabalhar. Usar suas mãos calejadas da inchada para cavar seu lugar ao sol.

 

Quatro meses então nessa cidade violenta e barulhenta. O trabalho é um pouco melhor do que fazia na sua comunidade. O peito um pouco mais vazio. Aos poucos o coração volta à realidade. Embrutece. Aqui não há tempo para sentar sobre as sombras das arvores e contemplar um dia de exuberante clareza de cores. Mas apesar dos sonhos desfeitos, a vida ainda lhe compensaria alguns desenganos.

 

E compensou. Ela belos olhos verdes e cabelos negros. Namoraram alguns meses. Logo se uniram, pois a juventude tem pressa a chegar a algum lugar que ainda desconhecem. Vieram filhos. Quatro. Já está desempregado há meses. Sentados todos a mesa, evita passar o olhar na família. Concentra-se no fundo do prato já vazio da sopa. O tempo é sombrio como aquele dia chuvoso, em que anunciou sua partida. Flávio, o mais velho, levanta. Vai ao quarto e coloca nas costas a sua mochila. De tão pesada ele pensa que, além das roupas, a mochila deveria seu enorme peso a sua repentina decisão de partir. Atravessa a sala; passa pela mesa da cozinha, e, sem dizer palavra, sem olhar pra trás, sai. Antônio, ainda perdido em seus pensamentos, tenta gesticular alguma coisa, mas desiste. Ele lembra aquela vida difícil com a família tempos atrás, aquela mesa mal iluminada por lamparinas. A silhueta dos olhos fundos do pai veio à memória de repente. O gesto do filho não foi surpresa. Ele sentia dentro de si que algo do tipo aconteceria. Ele esperava apenas duas ou três palavras como ele dissera ao pai antes de sair.             

 

 

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