quarta-feira, 12 de junho de 2013 0 comentários

A reconciliação

Esse é um dia especial para Aurélia. O dia dos namorados deixa-lhe sempre com um bom humor contagiante no rosto. Fica bem mais companheira, para quem dela espera se aproximar: ouve pacientemente as instruções das colegas, com muito afinco. Segue todas as instruções e recomendações ordenadas; obediente, senta-se na cama a espera da hora marcada, para tentar a reconciliação com seu grande amor. Nessa espera, imagina recebendo, após o habitual presente, o tão almejado beijo, e o apertado abraço, cheio de paixão.

 

A ansiedade sufoca-a; repassa na cabeça tudo que lhe tem a dizer: que a perdoa, que a ama, que a quer... Que por ela, deixaria de ser quem dizem quem ela é. Tudo ela faria. Mais ainda se ela aceitasse o seu perdão, e não lha recusasse a entrega divina de toda a sua beleza.

 

Quando enfim chega a hora marcada, Aurélia sai por um corredor que dá acesso a uma grande porta nos fundos. Para diante da porta; duvida por alguns segundo da sua coragem em levar adiante tal desejo. Mas para quem esperou um ano, com intensidade, para estar aqui, não pode dar-se a insensatez de recuar. Seria inglório, seria aviltante, humilhação recuar. No mais... é o meu amor; é o meu único sentido de passar todo esse ano aqui, aflita. Entra finalmente.

 

Na sala, há duas cadeiras uma em frente à outra. E na outra uma pessoa. Um homem; roupa branca, sapatos brancos, ar grave. Olha para Aurélia e pede para ela sentar. Ela obedece e senta, sempre olhando nos olhos do doutor, então ele lhe pergunta:

 

- Aurélia, você sente-se bem nesse momento?

 

- Sim, doutor!

 

- Lembre-se que no ano passado você me disse a mesma coisa, porém... não foi o que vimos logo após nossa entrevista.

 

- Eu estava confusa, doutor... Encontrava-me com sérios problemas... Mas todos resolvidos. Amo-a mais que tudo... É ela por inteira que quero a partir de hoje.

 

- Tudo bem... Vamos lhe dar alta. Mas as consultas não vão parar, certo? Sua família quer que o tratamento dure por mais algum tempo.    

        

- Tudo bem... Não coloco empecilhos.

 

E Aurélia, confiante, ultrapassou aquela porta determinada a nunca mais atentar contra a sua vida. Pois agora ama a vida acima de tudo. Acima de qualquer coisa. E com ela quer perde-se por aí. Arriscar-se em todo tipo de aventura; pois assim afirma seu desejo. Quer namorá-la, quer curti-la, casar com a vida, e dela receber os filhos dessa nova doce loucura.

terça-feira, 12 de março de 2013 0 comentários

Eu escolherei o Papa

Eu acho que no mínimo mereço muito respeito. Sabe por quê? Caso alguns torcedores do Corinthians decidam soltar sinalizadores no prédio onde os Cardeais estão reunidos para escolher o novo Papa, e todos desaparecessem desse mundo em poucos segundos, eu teria que ser chamado para decidir, ou até mesmo, anunciar o eleito, pronunciando a célebre frase Habemus Papam.

Tudo porque, na hierarquia da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, abaixo do Santo Papa estão os Cardeais, e logo em seguida... quem? Os Patriarcas. Ora, ora, ora. Sendo eu chefe de família, logo sou o Patriarca, que deve ser respeitado, temido e adorado. Portanto, se tudo der errado, se por alguma grande infelicidade os Cardeais acharem que a Política corrompeu o imaculado processo papal, estou aí para resolver o problema.

Vejam vocês como está estruturada a hierarquia contemporânea da Igreja:


membro do colégio cardinalício, elege o papa
prelado de importantes igrejas orientais
dirige a arquidiocese mais antiga da região
dirige uma arquidiocese metropolitana
Arcebispo diocesano
dirige uma arquidiocese
dirige uma ordem religiosa ou militar
dirige uma diocese
dirige uma prelazia territorial ou pessoal


Claro, isso é só uma brincadeira de minha parte. Que reine a paz e a clarividência na escolha do novo Papa.
quinta-feira, 7 de março de 2013 0 comentários

Mais um (cheque). Amém, amém

NoGlobo:
Em vídeo que circula pelas redes sociais, o pastor Marco Feliciano (PSC-SP), indicado para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, recolhe doações de fiéis da Assembleia de Deus, na Catedral do Avivamento, sua igreja. Feliciano aceita doações de motocicletas, pede cheques, dinheiro e anuncia recompensas divinas. Em determinado momento, com um cartão na mão, ele diz: “É a última vez que eu falo. Samuel de Souza doou o cartão, mas não doou a senha. Aí não vale. Depois vai pedir o milagre pra Deus e Deus não vai dar e vai falar que Deus é ruim.”

Logo em seguida, um fiel tetraplégico anuncia que vai doar R$ 1.000. O pastor, então, diz: “Ele veio como murmurador. Vai voltar como o homem mais abençoado da festa. Eu ainda vou pregar com você por aí, garoto”.

As cenas de recolhimento de dinheiro prosseguem. Marco Feliciano afirma que R$ 500 é o suficiente: “Tem mais (dinheiro) aqui na frente? Glória a Jesus!”, diz ele, pegando um cheque. “Deixa eu ver o sobrenome dele. Feliz de Souza (risos). Mais um (cheque). Amém, amém. Tem gente que diz: ‘Pastor, pastor, R$ 1.000 eu não aguento’. Traga R$ 500. Você só não pode é perder a benção. Quem crê dá um jeito.

O texto acima parece piada, mas não é. O que me deixa mais intrigado não é a forma de pedir dinheiro do pastor Marco Feliciano (PSC-SP), mesmo que seja da forma mais absurda possível. O que me intriga são as pessoas que o ouvem, e que se sacrificam para dar, muita vez, o que não podem.

 

Sei que pessoas que procuram essas religiões já chegam ali com o espírito fragilizado. Sei, também, que a persuasão encontra terreno favorável, pois fala para os que procuram justamente isso: ouvir algo que lhes tragam conforto e esperança. A fé é o pano de fundo. O que essas pessoas querem na verdade são apenas palavras, e por elas trocam tudo o que tem. São incapazes de resolver seus conflitos no seio de sua própria família. O resultado disso é que correm direto para a boca enorme dos lobos. E pessoas como o pastor/deputado Marco Feliciano são treinados para isso.

quarta-feira, 6 de março de 2013 0 comentários

Eunício sem adversários no Ceará

 Leio abaixo que o PR do Rio de Janeiro entrou com uma denúncia na Justiça Eleitoral, para suspender o que o partido interpretou como campanha antecipada de Luiz Fernando Pezão, candidato do PMDB para o Governo Fluminense. Aqui, no Ceará, Eunício Oliveira, também do PMDB, já está mostrando suas qualidades para o seus eleitores nas tevês. Uma pergunta se faz necessária, quem entrará na justiça para barrar tal ilegalidade? ou aqui no Ceará não há lei eleitoral?

PR quer suspender propaganda de Pezão

O PR de Anthony Garotinho vai entrar com uma ação na Justiça Eleitoral para suspender o programa de TV do PMDB que começou a ir ao ar a partir de ontem no Rio de Janeiro. As inserções foram focadas em Luiz Fernando Pezão, candidato de Sérgio Cabral à sua sucessão.
O filme, que apresentou o slogan Quem é Pezão?, foi considerado pelo PR como propaganda fora do período autorizado.
Na semana passada, o PR também colocou Garotinho como estrela do seu programa eleitoral.
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E Chávez calou-se

Em 2007, recém ingresso na faculdade de jornalismo, escrevi um texto sobre o dia em que o Rei de Espanha mandou Hugo Chávez se calar. O acontecimento foi muito repercutido na época pela impressa de todo o mundo. Logo após o golpe de 2002, que tentou lhe tirar da presidência, Chávez voltou mais forte, e sempre que teve oportunidade denunciou seus inimigos e os inimigos do povo venezuelano. Numa dessas oportunidades foi na Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo realizada em 2007. Abaixo texto que escrevi sobe o episódio.

Porque no te callas América Latina?
A repercussão do episódio do desentendimento entre o rei de Espanha, Juan Carlos, e o presidente eleito da Venezuela, Hugo Chávez, ainda ecoa nos jornais espanhóis como uma enfática e brilhante afronta do Rei, ao líder mais odiado da América Latina. Nossos jornalistas não se cansam de aplaudir, e na sua euforia dão vivas à Juan Carlos com um saudosismo anacrônico e sem sentido. Viram a capa da Veja desse mês? Nada menos que o rei d. Pedro II.

A figura do rei nos assuntos políticos e econômicos dos países que ainda optam por uma monarquia parlamentarista é tão, ou menos importante, quanto a figura do bobo-da-corte nas antigas monarquias absolutistas da época medieval. Uma frase que poderia ser dita por qualquer briga de vizinhos na periferia de uma dessas cidades da Espanha, foi comparada a frases de grandes escritores espanhóis, dentre eles Miguel de Cervantes. Convenhamos, um rei não teria algo mais sublime, substancial e inteligente para falar ao representante eleito pelo povo venezuelano? Ou por isso mesmo, por ser um simples representante do povo, e do povo da Venezuela ainda mais, sua majestade achou por bem falar algo tão sem conteúdo e impulsivo como um “porque no te callas?”

Mas o contexto que fez com que Chávez recebesse essa reprimenda pelo rei, não foi colocada no plano da discussão. As denúncias feitas pelo presidente eleito Hugo Chávez, como sempre acontece na nossa mídia, foi desviada para o ataque pessoal da figura do presidente. Ele denunciou a participação da Espanha, na figura do seu ex-primeiro ministro José Maria Aznar, no golpe que o tirou do poder por um dia em 2002, sendo reconduzido novamente à presidência pelo povo. Onde fica o debate sobre a soberania dos países da América Latina? Será que deixaremos esse debate apenas na voz de um líder socialista com pouco recursos teóricos? Deixaremos Hugo Chávez afrontar sozinho e de peito aberto os grandes usurpadores das nossas riquezas?

 Relendo o texto, quase seis anos depois, tenho outra visão sobre o polêmico líder venezuelano. Sobre o rei Juan Carlos, foi protagonista de escândalos envolvendo desde romance fora do casamento real a caça de elefantes na África. Mas vou discorrer sobre o tema em outra oportunidade, fica o meu registro sobre o comandante Chávez, morto aos 58, vítima de câncer. Pelo menos nesse caso, foi Chávez quem se calou primeiro.

terça-feira, 5 de março de 2013 0 comentários

Fator externo

Por

Os números altamente frustrantes do desempenho econômico brasileiro, em 2012, são ainda mais decepcionantes quando comparados aos de outras economias, no mesmo período. Excetuados países da encalacrada zona do euro, o resto do mundo, aí incluídos os claudicantes Estados Unidos e os vizinhos latino-americanos, sem falar nos demais integrantes dos Brics, cresceu mais no ano passado.

Esse fato incontestável leva à natural conclusão de que os entraves à expansão econômica, no Brasil, apesar da ladainha irritantemente recorrente do ministro da Fazenda, Guido Mantega em sentido contrário, dizem respeito a problemas domésticos e não se devem às graves dificuldades enfrentadas pela economia internacional. Está claro que nem uma avestruz de caricatura concordaria com o ministro. Mas, até para alargar o entendimento das mazelas “made in Brazil”, não se pode desprezar os impactos da crise internacional sobre ela.

Existe consenso de que a chave capaz de abrir a porta de uma retomada mais acelerada e sustentável do crescimento, na economia brasileira, é o investimento. A expansão da capacidade de produção e da oferta de serviços propiciariam a indispensável elevação da produtividade e, como consequência, avanços na competitividade geral. Se todos os termos da equação encaixarem, a recuperação viria acompanhada de alivio nas pressões inflacionárias e do necessário estímulo à inovação e à qualificação de mão de obra. Porém, como se observa no momento, esse encaixe não é trivial.

A experiência recente tem mostrado que, se juros mais normais e câmbio menos valorizado são condições necessárias para impulsionar o investimento, estão longe de serem suficientes. Dos múltiplos elementos que concorrem para formar um ambiente propício à inversão de recursos na ampliação da oferta – financiamento em bases atraentes, regras estáveis e transparentes, retornos compatíveis etc. etc. –, um cenário externo que ofereça horizontes favoráveis deve ser colocado, sem dúvida, entre os mais decisivos.
Nos modelos de projeção do economista-chefe, no Brasil, do banco Credit Suisse, Nilson Teixeira, tanto para a expansão do investimento quanto da próprio PIB, por exemplo, o comportamento da economia global aparece como fator determinante. O economista que, então na contramão do consenso, antecipou o PIB mínimo de 2012 trabalha, para 2013, com três cenários, a partir, justamente, de hipóteses para o crescimento global.

A previsão de que a economia, neste ano, crescerá 4%, que coloca Teixeira novamente na contramão do consenso, depende, na verdade, da concretização de um cenário básico, considerado como de maior probabilidade de ocorrer, conforme descrito em relatório elaborado em janeiro. Nesse cenário, em que a economia global avançaria 3,5% este ano, os investimentos, no Brasil, aumentariam 6,5% e o PIB, 4%. Em dois outros cenários, um mais pessimista, em relação ao crescimento global, e outro mais otimista, os números seriam diferentes.

No cenário pessimista de Teixeira, a economia internacional não cresceria mais de 2,7%, em 2013, repercutindo, no Brasil, em aumento de apenas 3,1% nos investimentos e de 2,8% no PIB. Já no cenário mais otimista, que opera com a hipótese de uma expansão da economia mundial de 4,2%, os investimentos registrariam um salto de 9,6% e a economia avançaria 5,1%.

As chances do cenário otimista já eram pequenas e, com as recentes revisões para baixo de FMI e OCDE para o crescimento mundial, agora com projeção de expansão pouco acima de 3%, praticamente foram eliminadas. Importa destacar, de qualquer maneira, os riscos de se desprezar a influência do cenário externo na trajetória de crescimento da economia brasileira e, mais do que em relação ao PIB, no caso do elemento crítico representado pelo investimento.

Essa constatação serve para o investimento como um todo, mas é ainda mais verdadeira quando se observa, separadamente, as fatias pública e privada. Um simples passar de olhos no comportamento da taxa de investimento decomposta, ao longo dos últimos anos, deixa claro que mais do que as aplicações públicas, as inversões privadas – e, dentro delas, especificamente os investimentos em máquinas e equipamentos – seguem muito de perto os ciclos dos humores econômicos globais.

Se o crescimento só voltará com investimentos – e com investimentos privados – é bom ficar de olho no fator externo.
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013 0 comentários

Telhas e Taipas

Faz três meses que chove sem parar. O solo antes seco e áspero, agora não para de correr lama. Sentada a mesa, a família evita os olhares diretos uns com os outros. O pai, sempre sério, se perde em divagações, e lamenta a fatalidade da natureza. Passou meses sem plantar naquele solo duro, seco e espinhoso; agora, passaria mais alguns por causa do dilúvio que cai sem parar. Ele não lembra, recordando seu tempo de moço forte e altivo, que tenha se passado algo semelhante naquela simpática comunidade perdida entre tantas comunidades entre o Eusébio e o Aquiraz.

 

Antônio olha o pai. Toca-lhe de leve a mão e sua voz é rouca e cortante. Tenho que ir. Não posso mais esperar. Vou pra Fortaleza. Três frases apenas. Essa falta de aproximação, essa falta de um diálogo maior marcaria, sem Sérgio o perceber, motivo de complicações futuras em sua família. O pai o encara. Sempre percebeu naqueles olhos, sonhos perdidos; sede de uma vida mais agitada. Demorou algum tempo em distinguir a voz do filho, das trovoadas e do barulho da chuva molhando as telhas e as paredes de taipa. Com um gesto resignado e complacente balançou a cabeça. Não disse palavra. Há muito que não a usava. A desventura naquela terra infértil, a falta de esperança suprime a vontade de falar.

 

A mala é pequena. Poucas coisas para colocar, é bem verdade. Diferente do coração, esse imenso receptáculo de emoções, onde, se derramado, inundaria rios e mares. Não que ele tivesse expectativas grandes na sua jornada à capital. Sabia que o incerto lhe estenderia a mão por algum tempo. Trabalhar. Usar suas mãos calejadas da inchada para cavar seu lugar ao sol.

 

Quatro meses então nessa cidade violenta e barulhenta. O trabalho é um pouco melhor do que fazia na sua comunidade. O peito um pouco mais vazio. Aos poucos o coração volta à realidade. Embrutece. Aqui não há tempo para sentar sobre as sombras das arvores e contemplar um dia de exuberante clareza de cores. Mas apesar dos sonhos desfeitos, a vida ainda lhe compensaria alguns desenganos.

 

E compensou. Ela belos olhos verdes e cabelos negros. Namoraram alguns meses. Logo se uniram, pois a juventude tem pressa a chegar a algum lugar que ainda desconhecem. Vieram filhos. Quatro. Já está desempregado há meses. Sentados todos a mesa, evita passar o olhar na família. Concentra-se no fundo do prato já vazio da sopa. O tempo é sombrio como aquele dia chuvoso, em que anunciou sua partida. Flávio, o mais velho, levanta. Vai ao quarto e coloca nas costas a sua mochila. De tão pesada ele pensa que, além das roupas, a mochila deveria seu enorme peso a sua repentina decisão de partir. Atravessa a sala; passa pela mesa da cozinha, e, sem dizer palavra, sem olhar pra trás, sai. Antônio, ainda perdido em seus pensamentos, tenta gesticular alguma coisa, mas desiste. Ele lembra aquela vida difícil com a família tempos atrás, aquela mesa mal iluminada por lamparinas. A silhueta dos olhos fundos do pai veio à memória de repente. O gesto do filho não foi surpresa. Ele sentia dentro de si que algo do tipo aconteceria. Ele esperava apenas duas ou três palavras como ele dissera ao pai antes de sair.             

 

 

 
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