quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Um desbravador

              A areia daquele vasto terreno era sempre mais agradável ao amanhecer. A brisa gélida da noite refrescava chão, árvores e os nossos sonhos de infância. Quando criança, meus pés irrompiam a alva areia daquele imenso quintal tão logo eu terminava de tomar o café da manhã. Eu pisava de um jeito despreocupado. Diferente do jeito duro e arrogante de hoje. Acordava cedo e esperava ansioso pelas outras crianças que ainda dormiam. Queria aproveitar cada instante. E eram poucos. Somente nas férias meus pais levavam-me para visitar minha avó.  
             Lembro que eu passeava a esmo por entre as fruteiras, colhendo aqui e acolá as frutas de minha preferência. Quando aparecia gente adulta na varanda da casa, eu gritava: 
              - Ô tia, o Carlinhos já acordou?
              - Ainda não Murilo. Você já tomou café?
              - Sim, tia!
              E partia para outra casa na esperança de um companheiro para brincar. 
              Nesses trajetos solitários pela manhã, acontecia ocasionalmente da minha avó chamar-me pra ajudá-la a colocar água para suas vacas. Nunca me esqueci daquele grito: 
              - Meninoooo! 
              E lá ia eu puxar água da cacimba para encher um balde velho, todo remendado. 
              Chegávamos ao terreno, e eu, menino da cidade, enchia-me de coragem para pular a cerca onde ficavam os bois, as vacas e os bezerros; tudo para impressionar àquela indiferente senhora, minha avó, que conversava com uma conhecida que passava todos os dias naquele horário com uma trouxa de roupa na cabeça. Findo esse pequeno serviço, me punha novamente a andar sozinho a esmo. Meus pais? Nem me lembrava deles. Era pura liberdade, independência, desbravamento...  
              Lembro-me de várias vezes sair do terreno da família e seguir por caminhos estreitos, por entre a mata espessa, a pé ou de bicicleta; mas sempre procurando ir mais além, levando a curiosidade como guia de minha imaginação. Às vezes me distanciava para mais de três quilômetros do velho casebre, seguindo pássaros, ou apenas tentando chegar ao fim de alguma trilha misteriosa.  
              De repente, campo aberto; maravilhado, ficava alguns instantes contemplando tamanha beleza. Lembro-me da sensação de perceber que aquilo era maior do que qualquer coisa que eu já sentira até então. E hoje, a saudade retorna com mais intensidade à medida que o tempo avança.  
              Somente ao final da manhã apareciam os outros garotos. Pegávamos bicicletas e disputávamos corridas. Acabávamos extenuados, ofegante e, principalmente, com muita fome. A hora do almoço era aguardada com grande ansiedade. E é justamente no intervalo das brincadeiras, mais precisamente na hora do almoço que, bem a propósito, recordo-me com mais intensidade. Não era tanto a comida preparada com esmero pela minha avó, apesar de sabor sem igual, mas, e espantem-se, do delicioso suco de caju. Na minha lembrança as sensações mais inebriantes de prazer. Quando o bebo, não importa a hora, nem o lugar, me vêm todo aquele tempo novamente, quando brincávamos em ritmo alucinado, das corridas de bicicletas, das cidades construídas com pedaços de madeiras, de ruas abertas entre as areias debaixo da mangueira...  
               Eram dias saudáveis: vida saudável. Nunca mais sentirei sensações iguais.

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