quarta-feira, 11 de maio de 2011

O filho pródigo

         O preferido dos filhos era o menorzinho. Falava com admiração da inteligência do rapaz com os números e com as palavras. Sorria ao falar; e enquanto falava de seu pequeno, enfatizava: gosto de todos eles! Mas não escondia sua enorme alegria pelo o único filho que sabia ler e escrever.

         Também pudera; em meio à vida sofrida que tivera com os pais, nunca havia tido tempo suficiente para estudar; nunca pôde dar uma educação para seus filhos diferente da que recebeu. Porém, o mais novo se saíra bem sozinho, apesar de trabalhar de dia na roça, junto com seu pai e seus outros irmãos. Eram nove ao todo. Todos assim como ele: camisas suadas e maltrapilhas.

         Ele vai ser diferente de mim! Ah, se vai! Inteligente esse diabo! – O pai falava das habilidades do menino com as contas. - A multiplicação, seu moço - dizia ele, é pra mim a mais engraçada. Qualquer erro... E o resultado já era!

         Tentei lhe explicar que nessas abstrações matemáticas segue-se uma lógica; qualquer falha nessa lógica, em qualquer que fosse a operação, seja na soma, multiplicação ou divisão, o resultado estaria perdido. Mas desisti. A humildade não me deixou que surgisse qualquer espécie de abismo entre eu e aquele sujeito simples e rústico. Abismo não por culpa minha ou dele, mas fruto de décadas de esquecimento, de atraso, de total falta de comprometimento para com a região do semi-árido brasileiro, um dos piores climas do planeta. E continuei a escutá-lo:

         E as palavras? Cada palavra bonita que ele aprendeu moço! É a tal de improbidade que é a semvergonheza que os políticos fazem com o nosso dinheiro. Coisas assim que a gente não entende quando escuta o jornal da TV... Mas ele sabe tudo...

         Nesse instante, do cansaço de ficar em pé ouvindo-o, passei à uma curiosa reflexão sobre o modo expressivo como colocava cada qualidade do seu menino prodígio. Eu estava ali bem em frente dele, e ao mesmo tempo não estava. A única coisa que eu senti foi uma terna condescendência, de ficar ali diante de uma pessoa que me era familiar somente nos livros.

         Euclides? Guimarães? Ou talvez Graciliano? Quem nunca ouviu falar que o sertanejo era antes de tudo um forte? Quem não conhece a famosa história dos retirantes e sua cachorra Baleia debaixo de um sol escaldante? Pois é... Naquele instante vi um desses se emocionando; transformando em lágrimas a sua admiração pelo filho mais novo, que sabia apenas ler e escrever.

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