sexta-feira, 29 de abril de 2011

Nataniel Jebão

      Numa tarde de um dia lembrado no ano de 2003, passeava eu pelas dependências do shopping Center Iguatemi, vagando em horas ociosas do expediente tranqüilo de uma loja fotográfica em decadência, porém com algum dinheiro no bolso, resquício do salário de uma quinzena há muito passada, quando meus olhos não deixaram de ver, numa banca de jornal, o ilustríssimo jornal O Pasquim 21, recém reinventado.

      Não tive dúvida; comprei-o.

       Maravilhado pelos desenhos, e pela profundidade dos textos – também por sua diversidade -, fiquei empolgado, economizando o pouco que recebia para todo mês adquiri-lo.

      Dentre os textos, gostaria de dividir, em especial, os textos do Nataniel Jebão. Desconheço sua história; ouvir, na época, que se tratava do pseudônimo de Fausto Wolf, também colaborador do Pasquim. Em todo caso, os textos são bem criativos e engraçados. Sarcasmo ao melhor estilo de Voltaire.
  
 Por Nataniel Jebão
 para o Pasquim - 2007

      Embora tivesse a mesma idade de Eva, o orgasmo só foi descoberto no século 19. As razões pelas quais o Todo-Poderoso não a informou da existência do orgasmo não estão registradas no Gênesis. Aliás, ele também não a informou da existência das doenças venéreas, do PFL, do José Dirceu, da fraude legalizada e de tantas outras coisas que só foram descobertas mais tarde e conduziram ao fim do mundo, como todos sabem. Enfim, ocupado como estava, deve ter se esquecido de chegar para a Eva e dizer:

      - Eva, quero te apresentar o Orgasmo. Olha, Orgasmo, esta é a minha criatura, Eva, sejam bons amigos.

      Ao contrário do orgasmo, a fome foi descoberta no dia em que o primeiro primata - cerca de 45 milhões de anos atrás - deu uma mordida na bunda de uma primata que puxava um ronco ao seu lado. Embora popular na África, na Ásia e na América Latina após o homem comer o primeiro piolho, até hoje algumas pessoas ainda não foram apresentadas à fome. No Brasil ela é conhecida da grande maioria e milhões de brasileiros tornaram-se tão íntimos que acabaram morrendo por ela. Não pensem, porém, que o rei, pelo menos aqui no Brasil, vai sufocá-la. Faz 30 meses, lembram? Governo novinho, honesto, lataria brilhando. O rei convocou os ministros ainda honrados na época para um safári até Guariba, no interior do Piauí. A idéia era mostrar a fome em estado puro aos ministros, coisa que eles não conheciam nem de longe, e ao mesmo tempo dar uma guaribada na fome de Guariba. Logo descobriu-se que ir a Guariba levaria mais tempo do que ir à Sibéria. Contentaram-se, portanto, com a fome pouco menos feroz do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais. O rei, que já a conhecia, estava calmo, mas seus ministros ficaram assanhadíssimos:

      - Como será que ela é? - teria perguntado o ex-ministro Anderson Adauto.

      - Dizem que é negra como a peste - teria dito o ministro Roberto Rodrigues ao colega Furlan.

      - Vamos parar com esse racismo aí, reclamaram a ministra Benedita, que ainda não fora orar na Argentina, e o ministro Gil, antes de começar a não fazer porra nenhuma.

      - Eu já a vi de pertinho uma vez, no Chapéu Mangueira - teria dito a Benedita. - Ela não tem nada de negra. É bem branquinha azeda, uma mistura de Maciel com Bornhausen.

      Antes mesmo de aplicar o pontapé inicial no Plano Fome Zero, o rei Çilva I verificou que ele já dava resultados. Mandou seus valetes de chambre pesquisarem e eles descobriram que não havia um político, banqueiro, militar, bispo, latifundiário, comerciante, industrial, publicitário, relações-públicas ou apresentador de TV com fome no país. Em verdade, os valetes informaram à VMRI:

      - Majestade, com exceção de uns poucos pobres que a fome parece privilegiar, o resto da população nem sabe o que é isso.

      - E quantos seriam esses poucos pobres? - teria perguntado o rei.

      E os valetes:

      - Cento e cinqüenta milhões.

      Reunidos os ministros - alguns até com escafandros, uniformes de escoteiro, canivete de utilidades e todos munidos de repelentes -, o rei notou a ausência do presidente do Banco Central, o bom Meirelles. Foi até a casa do ex-presidente do Bank of Boston:

      - Meirelles, vim te apanhar para te apresentar à fome e... Foi interrompido pela mulher do ministro:

      - Sinto muito, Digníssima Alteza Operária, mas o choque seria doloroso demais para o Meirelles. Este negócio de conhecer a fome ele terá de fazer aos pouquinhos. Primeiro, larga o caviar e o champanhe. Depois, os vinhos e as trufas, a lagosta e os chocolates suíços. Se ele for apresentado à fome assim, de repente, pode ter um troço, enlouquecer e mandar o patrão dele à merda, com perdão da palavra!

      - A mim? - perguntou o rei, ainda dono de tresloucada inocência.

      - Não, ao Bush. Ele também faz um biquinho por lá.

      - Santo homem.

      - Pois é graças a este bico que eu não preciso mais lavar para fora. 


 A lepra ao alcance da percepção

      Mantendo uma razoável distância, Preciosa Percepção, repórter da Globo, entrevista uma mulher faminta do Vale do Jequitinhonha:

      - A senhora me desculpe - diz a repórter -, mas nunca vi alguém com fome assim tão de perto. De modo que não sei exatamente o que lhe perguntar.

      A mulher, uma velha magérrima e desdentada, de seus 25 anos, com sete filhos (seis mortos), sorriu para a câmera e disse:

      - Também tenho lepra.

      Preciosa Percepção deu um pulo para trás e caiu numa restinga seca. Levantou-se embaraçada, sorriu para a câmera e voltou-se para a entrevistada:

      - Ninguém aqui quer saber de lepra, mas de fome. Como é ter fome?

      - Olhe, ter fome até que é bão quando a gente sabe que em dois ou três dias vai comer um ratão frito. Quando o bicho se instala no estômago, dá uma sensação de felicidade muito grande. A moça devia experimentar.

      - Para quem passa tanto tempo com fome, a senhora até que está bem gordinha.

      - Só na barriga. É que tô prenha. Olha, eu tenho aqui uma pereba no umbigo que queria mostrar para a senhora.

      Preciosa Percepção afasta-se rapidamente junto com seu câmera, enquanto diz:

      - Preciosa Percepção pesquisando a fome no Vale do Jequitinhonha para a Globo News.

Clitóris real pede socorro

      Na calada da noite, a princesinha Caroline apertava o clitóris contra o travesseiro. Por que tivera de ser vítima de um cruel destino? Por que tivera de      nascer bela, rica e princesa? Por que não nascera uma simples miliardária anônima, como tantas moças americanas e européias da sua idade? Por que sofrer em Gstaad todos os verões e em Seychelles todos os invernos? Por que sempre caviar e champanhe? Por que Ferraris e Rolls Roices? Agora queriam que casasse com o novo príncipe de Monte Carlo, o príncipe Alberto, que em seu quarto pergunta ao valete de chambre: "Mas por quê? Por quê? E por que com uma mulher?". Na Favela da Mandioca, em Brás de Pina, no Rio de Janeiro, Jandira Sete Flexas fazia um trabalho com duas galinhas cegas para que a paz voltasse a reinar nos corações dei promessi sposi.

Pensamento do dia

Liberdade de expressão é só força de expressão.

Jebolas

      * Caro rei Çilva: cuidado com os idos de agosto. Um mulatão chamado Gregório vai se oferecer para chefiar sua segurança pessoal. Não aceite.
      * A Secretaria de Turismo Informal informa: "Tráfico de pó e maconha liberado extra-oficialmente em Copacabana".
      * Cesar, o Maia, está economizando. Há quase dois anos que não gasta um tostão com o público.
      * O que não gastou gastará durante a campanha para governador, em publicidade na TV e outdoors, propagando a beleza das obras que não realizou. Tudo muito surrealista.
      * Bin Laden pretende explodir a estrela Rho Cas, 500 vezes maior do que o Sol. Só para ver, segundo suas próprias palavras, "a cara daquele anão de merda".
      * Só agora foi revelado. As obras sociais programadas pelo governo Lula não se concretizaram, pois todos esperavam que o ministro Gil levasse à frente a empreitada com o dinheiro arrecadado nos shows que fazia acompanhando o reizinho em suas viagens culturais.
      * O Gil embocou o público e o privado.
      * Se tivesse de definir a música brasileira atual, eu diria que voltamos ao primitivo batuque onomatopaico acompanhado de sons de símios à distância, enquanto um deputado baiano fala de hipérboles de Iansã abandonadas em aljôfares pagãos.
      * Só com os R$ 160 mil que recebeu por um show que fez em Macaé, o príncipe núbio Gil poderia ter matado a fome de 80 mil pessoas mas, segundo ele, não estava a fim.
      * Não sei por que toda essa gritaria sobre armamentos nucleares. Carlinhos Feijoada Completa, meu assessor para assuntos marginais, montou uma bomba atômica aqui na mansão. Estamos abertos a negociações.
      * Os rapazes gaúchos que mataram um velho índio caicangue estão em liberdade.
      * Deveriam servir 30 anos como empregadas domésticas na reserva indígena. Sairiam de lá umas moças... velhas.
      * O papa Bento XVI disse que não há um só padre passando fome no mundo.
      * Imagina-se que os padres estejam comendo comida, literalmente.
      * Aqui na Mansão Maldita, Gregor Samsa, meu chefe de masmorras, está dando um curso aos vizinhos pobres sobre as qualidades nutritivas de ratos, baratas, moscas e escorpiões.
      * Em São Paulo só tem um bar: o do Léo, na Rua Aurora. Em Curitiba também só tem um, o Stuart, na praça do Centro, que se dá ao luxo de só servir chope na pressão, steinhaeger e rollmops.
      * Acertem seus relógios. Os Estados Unidos atacarão o Irã quando Joszef Hkamsa, moleiro da Rua do Sabão, em Bagdá, sair de casa às três da manhã do dia 7 de outubro para dar uma mijadinha contra a parede da casa do seu velho inimigo, o alfaiate Fayssal.

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