terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A discussão está na mesa


Há alguns dias precisei entrevistar o jornalista Daniel Fonsêca para uma reportagem em que eu, e meus outros amigos de curso, preparávamos um material acerca da polêmica sobre a criação do Conselho Estadual de Comunicação Social do Ceará.

Abordamos dentre outros assuntos, outros aspectos da dificuldade da população em conseguir acessos a veículos de comunicação como um todo.

Abordamos também o paradoxo das demissões sumárias que alguns veículos de comunicação efetivam, enquanto brigam desesperadamente tentando estabelecer um vínculo entre a criação dos Conselhos de Comunicação e o fim da liberdade de expressão.

Acho que a entrevista atingiu nossas expectativas. Divido-a com vocês!



Como você analisa o caso do jornalista Dalwton Moura, e de outros jornalistas, que são surpreendidos com decisões arbitrárias dos donos dos jornais?

O caso da demissão do colega Dalwton Moura não pode ser lido sem a devida contextualização, observando o atual estágio do debate sobre a permanente (re)construção do Estado Democrático de Direito e o papel das corporações de mídia nesse processo. Estas sempre estiveram umbilicalmente relacionadas aos movimentos de tensionamento junto ao Estado, desde o lobby quase cotidiano no Congresso Nacional, que debilita o modelo de representação parlamentar, até desdobramentos de graves consequências históricas, como o golpe cívico-militar de 1964. De antemão, deve-se entender que qualquer ação humana é parcial e subjetiva, ou seja, não reside nesta característica o problema central da tomada de posição de determinados setores do empresariado nacional da comunicação.
A questão contra a qual se rebelam os proprietários dos conglomerados de mídia é a explícita e, agora, esgarçada contradição entre o discurso aparente de defesa intransigente da democracia e as decisões políticas (de caráter editorial ou trabalhista, dependendo de seus efeitos). Em outros momentos e atualmente, a postura das corporações midiáticas tem concorrido para a obliteração de qualquer participação dos diversos segmentos da sociedade civil organizada nas decisões quando ao marco regulatório e no acesso ampliado ao direito à comunicação. Um dos exemplos é a derrubada, pelo Supremo Tribunal Federal, da Lei de Imprensa, a pedido dos empresários, sob a alegação de que se tratava de um decreto baixado na ditadura militar. Ora, se eles mesmos foram majoritamente favoráveis ao regime que vigorou de 1964 a 1985, com que legitimidade se contrapõem a um dispositivo criado no período? Ademais, o direito de resposta, previsto na Lei de Imprensa, está salvaguardado na Constituição de 1988.

Sobre o caso específico de Dalwton, deve-se relacioná-lo a outro bem recente em nosso país, o da psicanalista Maria Rita Kehl, demitida do jornal O Estado de S. Paulo, no qual era articulista. O matutino paulista elencou, de forma semelhante ao Diário do Nordeste, um "delito de opinião", pelo (em tese) trivial fato de ela ter versado sobre "política" numa coluna que, há muito, não se restringia aos temas da área profissional da psicanalista. No case cearense, a direção da empresa, segundo fontes do jornal, teria classificado o caderno como "panfletário" e "subversivo", além de "inoportuno ao momento atual". A última expressão se deveu à conjuntura eleitoral do país, que estava polarizada entre os candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), no segundo turno. Obviamente que, se se fizer uma leitura "objetiva" da legislação trabalhista, qualquer empresário tem o "direito" de demitir qualquer funcionário, independentemente de justa causa - pagando, também claramente, os devidos custos previstos em lei, nesse caso. Do ponto de vista meramente jurídico, trata-se de uma questão para a justiça do trabalho resolver, com a devida pressão do sindicato e do conjunto da categoria.

Acontece que nenhuma decisão, mesmo aparentemente "interna" como esta, está impassível de crítica ou análise. O Diário do Nordeste, ao demitir um jornalista recentemente alçado à função de editor do Caderno 3, não apresentou qualquer justificativa razoável para contrapor-se ao obscurantismo medieval que marcou a atitude da diretoria da holding, com a anuência do diretor editor do jornal. Em resumo, na questão político-trabalhista que envolveu o colega Dalwton Moura, associo-me à leitura que fez o jornalista Ronaldo Salgado, também professor do curso de Comunicação Social da UFC: "o jornal Diário do Nordeste sai com reputação e credibilidade atingidas e empobrecidas. Porque fere a democracia, agride a consciência cidadã de profissionais íntegros, honestos e qualificados e, finalmente, ludibria a sociedade quanto ao fazer jornalístico que propaga praticar".

Os Conselhos terão forças para aproximar a sociedade dos veículos de comunicação? O que mais pode ser feito em paralelo aos Conselhos?

A criação de conselhos estaduais vem no sentido de ampliar esse direito e é resultado da participação de centenas de pessoas que estiveram nas conferências estaduais e na I Conferência Nacional de Comunicação, realizada em 2009. As etapas tiveram a presença de setores do empresariado, apesar do boicote sistemático de entidades como a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (Abert).

A Constituição Federal prevê, no Artigo 224, a criação do Conselho Nacional de Comunicação, que foi regulamentado em 1991 (Collor) e instalado em 2002, por FHC, mas só funcionou de 2002 a 2006 e foi desativado por falta de convocação pelo Senado Federal – deve ser retomado em 2011. A composição inclui representantes de profissionais, de entidades da sociedade civil organizada, do poder público e de empresários – uma diversidade que inviabiliza qualquer caráter censor.

No Ceará, cerca de 30 entidades integrantes da Rede Cearense pela Comunicação foram autoras do projeto de indicação aprovado na Assembleia. Mas não se trata de um caso isolado nem se restringe à iniciativa de um grupo específico. Em Alagoas, o colegiado, criado em 2001 num governo do PSB com caráter consultivo, caminha para tornar-se deliberativo sob o comando de um governador tucano. Em São Paulo, dois deputados, um deles do DEM, apresentaram projetos para criar o conselho estadual. No Rio, foi um deputado do PDT quem teve a mesma iniciativa.

Hoje, o Conselho Nacional é vinculado ao Congresso, por isso, existe a necessidade, como defende o jurista Fábio Konder Comparato, de haver instrumentos locais para regulação da comunicação, com base na Constituição e na legislação do setor. Em contraposição a setores da OAB, o juiz federal Fábio Henrique Fiorenza (MT) sustenta que "os conselhos encaminham-se a um aprofundamento da democracia em sua forma mais genuína, a democracia direta" e não apresentam qualquer traço de inconstitucionalidade.

Em relação ao arcabouço legal, uma das demandas principais, que deve ter a participação da sociedade civil, é regulamentar disposições constitucionais, principalmente aquelas que estabelecem diretrizes gerais sobre a programação de rádio e televisão e as que proíbem o estabelecimento em todo o setor, direta ou indiretamente, de monopólio ou oligopólio (artigos 220 e 221).

Todas essas ações trazem uma lógica transversal: o direito à comunicação e as questões que ele implica não são de interesse somente de jornalistas, professores, estudantes de comunicação enfim, de especialistas. Dizem respeito a toda a população, que são mobilizadas simbolicamente no cotidiano, ao assistir à TV, ao ouvir o rádio, ao ler jornais e revistas ou ao (não conseguir) usar o telefone (móvel e fixo). Essa realidade é encontrada por todos (as) aqueles (as) que não são proprietários de empresas de comunicação e não têm cargos políticos - e, por isso, não detém os poderes políticos e econômicos e hoje são condicionantes para ter o efetivo direito à comunicação, que hoje não se limita a adquirir aparatos eletrônicos.

Ao evitar o debate sobre conselhos de Comunicação, deseja-se manter a liberdade de expressão como um bem de poucos, restringindo a pluralidade e diversidade de vozes existentes na sociedade. 

Existe uma proposta no Congresso para proibir Políticos de terem concessões públicas de rádio e televisão. As concessões, ela tem como não permitir que algum político detenha o controle indiretamente? 

Quanto à propriedade por políticos, não é apenas "uma proposta". O
 Artigo 54 da Constituição Federal já determina que deputados e senadores, a partir do momento em que tomam posse, não podem "firmar ou manter contrato" ou "aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado" em empresa concessionária de serviço público. A exploração comercial de rádio e TV é exatamente isso: uma concessão pública. Mesmo assim, na última legislatura (que termina em 31 de janeiro de 2011), 27 senadores e 53 deputados eram sócios ou parentes de proprietários de empresas de comunicação concessionárias de serviço público - sem considerar os casos em que pessoas "laranjas" são utilizadas para camuflar os verdadeiros proprietários, como acontece no Ceará, por exemplo. 

Esse quadro ratifica, portanto, a necessidade de haver instrumentos que mantenham permanente "vigilância" e promovam aproximada "fiscalização" - as palavras são estas -, sempre à luz da legislação específica do setor e sob o guarda-chuva da Constituição, que tem a liberdade de expressão, conceito mais amplo do que o de "liberdade de imprensa", como cláusula pétrea - inclusive esta sempre foi uma causa dos movimentos democráticos e populares, que sempre tiveram a oposição dos proprietários das empresas de comunicação, com raras exceções.

O controle de concessões de radiodifusão por políticos é somente o fato mais indecente e abusivo que marca a história da comunicação em nosso país, mas não podemos esquecer-nos de questões tão importantes quanto a regulação da publicidade (principalmente aquele direcionada ao público infantil); o estabelecimento da laicidade no rádio e na TV, pondo fim ao proselitismo religioso; o incentivo, pelo Estado, à comunicação independente, marcadamente as rádios e tevês comunitárias; e a definição de limites à propriedade cruzada. (Sobre este tema, conferir, principalmente, os estudos realizados por Venício Lima e Murilo César Ramos, ambos da UnB. A tradicional "liberdade de expressão/imprensa" e o contemporâneo "direito à comunicação" são conceitos em permanente construção. Estão em disputa. Os atores que se encontram na esquina desses debates travam bons e democráticos combates para buscar um caminho (possível) em que se convirjam os interesses mais amplos da sociedade brasileira. É esta uma das nossas tarefas históricas.

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