sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Vocês são turistas?

Vocês são turistas?, perguntou um motorista de táxi ao me abordar, juntamente com minha esposa e minha filha, na entrada do Passeio Público, no Centro de Fortaleza. Disse a ele que não somos, sem deixar de mostrar-lhe o quanto ficamos surpreso com a pergunta. Nem se quiséssemos passaríamos por turistas, tais os aspectos inconfundíveis que temos de autênticos cearenses, baixos e cabeças meio quadradas. 

Era domingo. Pensei então que o taxista nos confundira, não pelo nosso aspecto, mas pelo simples fato de que visitaríamos o Passeio Público naquela manhã. No absurdo de seu pensamento, somente aquelas turistas sairiam, num domingo de dezembro, para passear com sua família na Praça. Após responder-lhe que não éramos quem ele pensava, avisou-nos dizendo ‘pois cuidado ao caminhar por esses lados’. Foi então que paramos e olhamos ao redor, na tentativa de perceber o aludido perigo.

 

Sem dúvida. Paramos o carro na Praça dos Mártires, uma das ruas laterais do Passeio Público, bem ao lado, também, do belo prédio da Santa Casa de Misericórdia. Caminhamos poucos metros até a entrada da Praça sem que percebêssemos os vários moradores de rua dormindo em calçadas próximas. Entramos no Passeio Público, apressados. Afinal, estávamos com nossa filha, de apenas nove meses.

 

Apesar desse pequeno incidente, ao adentrarmos a beleza do lugar cuidou de atenuar o susto. Com minha filha nos braços, queria mostrá-la a exuberância daquele espaço, em meio a velhos prédios urbanos. Sua história queria apresentar à mãe: as centenárias árvores que serviram de paredes para fuzilamento dos líderes da Confederação do Equador, no Ceará.

 

Encontramos outras famílias se divertindo. Toalhas estendidas, copos, sucos, muita comida. Há apenas um pequeno restaurante, que estava fechado. Pelo aspecto, trabalharam no sábado, até noite. Verifiquei com atenção o restante da estrutura do lugar, sua conservação, principalmente. O Passeio Público está limpo. Garis trabalham por ali, bem próximos ao citado restaurante, onde comumente há mais lixo. Os chafarizes não funcionam. Quanto aos peixes que colocaram nas fontes, mais pareciam os conhecidos ‘condongos do canal’. Os ‘condongos do canal’ são peixes feios, cinza. Bem que poderiam ser peixes mais bonitos, coloridos. Surgiu a dúvida, quem os alimenta? Perguntado, um guarda municipal, que faz a vigilância do lugar, respondeu ‘ninguém, comem o lodo das paredes, ou alguma comida que as pessoas jogam’.

 

Havia três guardas municipais para a segurança do lugar. Dois homens e uma mulher, que passeava com o celular em riste, pronta para uma ligação a qualquer segundo, do namorado, da família, ou do amante. Os dois guardas usavam fardas horríveis, amassadas, sem o menor sinal de cuidado. Desleixo total. Não pude deixar de notar a insatisfação nos olhos deles. A guarda estava mais alinhada. Pronta para sair. Mais ao centro do Passeio, uma espécie de quitinete servia de quartel-base para os guardas. Percebi garrafas de café por sobre um pequeno balcão improvisado. Ao lado, um minúsculo banheiro, ao que tudo indica. Apesar de tudo, nenhum sinal de vandalismo ou desordem na Praça. A insegurança permanecia além do baixo muro do Passeio Público.

 

Abordei um dos guardas para perguntar sobre os moradores de rua que ficam ao redor. Respondeu com serenidade ‘não podemos fazer nada. Eles vão e vem, não podemos forçá-los a sumir daqui’. E as pessoas não se sentem ameaçadas com a presença deles lá fora?, indaguei-lhe. ‘Aqui elas estão seguras’, respondeu-me. Nesse momento percebi que para a Prefeitura, não importa o que acontece fora dos espaços turísticos da cidade. O que acontece em seu entorno, não é de sua responsabilidade. É de responsabilidade do Estado. Dentro daqueles pequenos muros da praça, sentimo-nos protegidos. Lá fora, medo. Nada de diferente quando chegamos a nossa casa. A violência da cidade está além da minha porta. E a pergunta não sai das nossas cabeças ‘vocês são turistas?’, fazendo-nos lembrar de que certos lugares de Fortaleza realmente não nos pertencem.

 

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